Regina Marques, do MDM

Um mundo melhor <br>é um mundo de paz e de direitos

Os problemas das mulheres só se resolvem se no mundo houver paz, trabalho, saúde e direitos. Esta foi uma das conclusões da última reunião da Federação Democrática Internacional de Mulheres, que contou com a participação de Regina Marques, do Movimento Democrático de Mulheres.
A Federação Democrática Internacional de Mulheres reuniu-se recentemente no Brasil, contando com a presença de organizações de dezenas de países, nomeadamente o Movimento Democrático de Mulheres (MDM). Regina Marques participou na iniciativa e, em entrevista ao Avante!, sublinha uma das conclusões da reunião: não há solução para os problemas das mulheres, se não houver paz, solidariedade, democracticidade, participação, igualdade de tratamento, trabalho, saúde e direitos.
Os problemas das mulheres da Europa e da América do Norte são muito diferentes dos problemas em África, na Ásia ou na América Latina, porque as culturas e o estado de desenvolvimento são diferentes.
Em África, a emancipação da mulher passa por matar a fome, eliminar a pobreza, alfabetizar as populações, ter uma casa e instalar infraestruturas de saneamento básico. A guerra destruiu povoações inteiras e, por exemplo em Angola, não há estradas ou pontes para atravessar os rios. «Estes países têm graves problemas de comunicação. Não se pense que a “sociedade da informação” já lá chegou», comenta Regina Marques. Existem ainda outros problemas como a insegurança, os preconceitos e tradições como a mutilação genital.
Nos países muçulmanos, verificou-se nos últimos anos um retrocesso no uso dos véus e na liberdades de movimentos, mesmo nos estados mais progressistas. «Os fundamentalismos são adversários das mulheres e crescem quando há mais pobreza. É preciso combater ideologicamente o fundamentalismo. As organizações de mulheres procuram fazê-lo, explicando inclusivamente que o conteúdo do Corão não corresponde ao que é divulgado pelos grupos islâmicos. Trata-se de um combate ideológico interno ao terrorismo, com muito mais resultados do que as armas americanas. Para obter resultados é necessário ir para além da desmontagem do Bush e dos seus aliados», afirma a dirigente.
Regina Marques fala ainda do grande movimento de organizações de mulheres que existe na América Latina, trabalhando na alfabetização, na formação profissional, no planeamento familiar e na assistência no parto. «Estes serviços não são garantidos pelos Estados e são as próprias organizações que os fazem. O aborto não é permitido em muitos países, registando-se números astronómicos de abortos clandestinos e de mortes de raparigas. Muitas associações têm construções de casas, porque as pessoas vivem em condições muito precárias, e incentivam as mulheres a trabalhar no campo político», acrescenta.
A sida constitui um problema muito grave tanto em África como na América Latina. «São países pobres com sistemas de saúde débeis e onde a fome grassa. Aí a sida está a atingir níveis de pandemia. Não recursos para impedir os contágios nem informações sobre questões sexuais», diz.

Op­ções

Na Europa e na América do Norte, as mulheres lidam com problemas em outras áreas como o desemprego, a precariedade, a segurança social, a saúde e as reformas e as creches. O uso do corpo feminino pelos media mostra como as mulher é vista pela sociedade. «Não há que ter vergonha do nosso corpo, mas ele não deve ser usado para nos amesquinhar e nos reduzir apenas a um aspecto», considera Regina Marques.
«Valorizar as mulheres é reconhecer diversas competências: afectivas, intelectuais e sociais. A solução passa pela partilha das tarefas domésticas, por uma maior oferta de creches e ocupação de tempos livres para as crianças, por desmistificar a ideia de que as mulheres não têm de ser mães todo o tempo, mas ter uma vida com várias vertentes até para os filhos beneficiarem disso», salienta.
«A maternidade é uma função social, mas o Estado não tem equacionado a necessidade das mulheres terem mais estruturas de apoio. A direita fala no incentivo às mulheres para ficarem em casa com os filhos, mas em Portugal, ao contrário do que acontece noutros países da União Europeia, elas vêem os seus salários reduzidos e perdem os seus trabalhos. É evidente que não há ninguém que queira perder o seu emprego nem ficar dependente do marido. Pode poupar 70 contos quando os filhos são pequenos, mas quando eles forem para a escola ela não tem emprego», afirma.
Regina Marques refere ainda a importância de estimular as mulheres a participar na sociedade e na política e não se preocuparem apenas com os problemas diários da sua família. «A participação na vida social e política traz benefícios no plano intelectual e moral. Como é que as mulheres podem dizer que são cidadãs se não intervêm politicamente? Se se demitem destas vertentes estão a dar razão àqueles que dizem que as mulheres devem estar em casa, a cuidar dos filhos, não devem ser muito exigentes, devem ser calmas e sonhadoras. Sem querer, alimentam estes estereótipos e a sua condição nunca melhora», garante.

Con­si­derar o aborto ilegal é in­dício de ta­ca­nhez

O facto da interrupção voluntária da gravidez ser ilegal em Portugal é «um indício da tacanhez dos nossos governos e de alguns sectores corporativos da nossa sociedade, nomeadamente da classe médica », defende Regina Marques.
«Na Bélgica, em 1990, foi aprovada uma lei que determina que se deve ter em conta o estado psicológico da mulher para autorizar o aborto. Para a sua aprovação foi fundamental o papel dos médicos, afirmando publicamente que, desde a década de 70, que praticavam o aborto nos seus serviços. Médicos, enfermeiros e assistentes sociais apoiaram a despenalização, enquanto em Portugal, no julgamento por prática de aborto que está a decorrer, foi o próprio enfermeiro que denunciou a jovem», sublinha.
Regina Marques considera que o papel de um enfermeiro dentro do hospital é tratar os doentes, não fazer moral: «Se aquela rapariga chegou aos serviços com um aborto – certamente provocado por ela e em más condições – isso deve-se a aspectos que não cabem ao enfermeiro. Não se pode confundir o direito à objecção de consciência individual de um técnico de saúde com transformar o serviço num confessionário. Quem recorre a estes recursos drásticos e dramáticos é quem tem menos informação, menos dinheiro e não é capaz de ir a Espanha.»
A dirigente do MDM diz que, em Portugal, os médicos apenas transmitem as ideias da Ordem dos Médicos, organização que classifica como sendo «extremamente recuada». Por isso, aponta como uma linha de trabalho prioritária tentar cativar médicos para que possam ser «mais desassombrados, de uma forma colectiva».
Regina Marques sublinha que os meios humanos excepcionais usados as investigações mostram que a direita quer fazer cumprir a lei e mostrar que há casos de aborto em tribunal e pessoas na prisão. «É uma política persecutória, e não social. Não está preocupada com as mulheres ou com o facto de não terem condições para terem mais filhos, educação sexual e acesso ao planeamento familiar», salienta.


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